terça-feira, agosto 11, 2009

Versos roubados II


Epigrama Nº 8
(Cecília Meireles)

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.

quarta-feira, agosto 05, 2009

Satisfação

Vou te amar pra sempre,
me disse.
Satisfeito
com o efeito
foi-se embora
pra sempre

segunda-feira, agosto 03, 2009

Roubando versos






O Menino Perdido
(Pablo Neruda)

Lenta infância de onde
como de um pasto comprido
cresce o duro pistilo,
a madeira do homem.

Quem fui? O que fui? O que fomos?

Não há resposta. Passamos.
Não fomos. Éramos. Outros pés,
outras mãos, outros olhos.
Tudo foi mudando folha por folha,
na árvore. E em ti? Mudou a tua pele,
o teu cabelo, a tua memória. Aquele que não foste.
Aquele foi um menino que passou correndo
atrás de um rio, de uma bicicleta,
e com o movimento
foi-se a tua vida com aquele minuto.
A falsa identidade seguiu os teus passos.
Dia a dia as horas se amarraram,
mas tu já não foste, veio o outro,
o outro tu, e o outro até que foste,
até que te arrancaste
do próprio passageiro,
do trem, dos vagões da vida,
da substituição, do caminhante.
A máscara do menino foi mudando,
emagreceu a sua condição enfermiça,
aquietou-se o seu volúvel poderio:
o esqueleto se manteve firme,
a construção do osso se manteve,
o sorriso,
o passo, o gesto voador, o eco
daquele menino nu
que saiu de um relâmpago,
mas foi o crescimento como um traje!
Era outro o homem e o levou emprestado.

Assim aconteceu comigo.

De silveste
cheguei a cidade, a gás, a rostos cruéis
que mediram a minha luz e a minha estatura,
cheguei a mulheres que em mim se procuraram
como se a mim tivessem perdido,
e assim foi sucedendo
o homem impuro,
filho do filho puro,
até que nada foi como tinha sido,
e de repente apareceu no meu rosto
um rosto de estrangeiro
e era também eu mesmo:
era eu que crescia,
era tu que crescias,
era tudo,
e mudamos
e nunca mais soubemos quem éramos,
e às vezes recordamos
aquele que viveu em nós
e lhe pedimos algo, talvez que se recorde de nós,
que saiba pelo menos que fomos ele, que falamos
com a sua língua,
mas das horas consumidas
aquele nos olha e não nos reconhece.

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